terça-feira, 7 de abril de 2015

Sucesso da Lava Jato depende de novas medidas anticorrupção, diz procurador

Paula Adamo Idoeta
Da BBC Brasil em São Paulo
20 março 2015

O Ministério Público Federal apresentou, nesta sexta-feira, um conjunto de propostas de mudanças legislativas e judiciais para auxiliar no combate à corrupção e à impunidade no país, a partir da experiência do órgão em casos como a Operação Lava Jato, que investiga desvios na Petrobras.

Anunciadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, as medidas contemplam, entre outros itens, punições mais duras a crimes de corrupção, redução no número de recursos nos processos e até mesmo a aplicação de "testes de integridade" em agentes públicos.

Para Dallagnol, crimes de corrupção são atualmente de "baixo risco" para aqueles que cometem os delitos, e as propostas do MPF são essenciais para garantir que os desvios revelados pela própria Lava Jato recebam punição. Atualmente, juristas e especialistas argumentam que desvios do tipo raramente são punidos no país.

"Caso essas medidas não sejam aprovadas e os réus sejam soltos (eles estão no momento presos preventivamente), a possibilidade de impunidade na Lava Jato é grande", disse o procurador à BBC Brasil em entrevista concedida por telefone.
"Em relação à Lava Jato, temos sim o temor (de que o esforço investigativo não resulte em condenações). Temos uma grande responsabilidade nas nossas costas, no maior caso de corrupção desvelado na história do país. A sociedade tem a expectativa de que se produzam resultados concretos, mas será muito difícil esse resultado sem as transformações que estamos propondo", afirmou Dallagnol.

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"Vamos supor que os réus sejam soltos. O processo vai entrar na vala comum. Não tendo prioridade sobre outros casos, ele tende a se estender por anos e anos. As punições virão depois de 10, 15 anos e olhe lá. Se vierem, pode ser que haja prescrição (dos crimes)."

As propostas

Algumas propostas do MPF coincidem com o pacote anticorrupção anunciado pelo governo nesta semana - caso da proposta de criminalização do caixa dois (arrecadação de recursos não-declarados) e do enriquecimento ilícito, com o confisco de bens que não estejam de acordo com a renda de seu detentor.

Outras sugestões incluem mudanças jurídicas para coibir recursos judiciais que atrasem o julgamento de crimes de corrupção, regras que dificultem a prescrição desses crimes e acelerem seu julgamento e criação de varas judiciais específicas para julgar casos de improbidade administrativa.

Além disso, o órgão propõe que a corrupção de alto valor seja transformada em crime hediondo, com penas - de 4 a 12 anos - que cresçam na mesma proporção do dinheiro desviado.

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Uma diferença em relação ao pacote lançado pelo Planalto é que o MPF propõe a instituição do acordo de leniência com competência exclusiva do Ministério Público. Na proposta do governo, os acordos de leniência seriam de exclusividade da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão vinculado ao Executivo.

"O pacote do governo atacou alguns tipos de práticas corruptas. O nosso é complementar", diz Dallagnol à BBC Brasil.

"Num aspecto específico, o pacote da Presidência complementa o nosso: o que estabelece a (aplicação da Lei da) Ficha Limpa para todos os servidores, algo muito bom. E nós não estamos apenas focando no combate à corrupção, mas também à impunidade. Porque não adianta nada você prever (tipificar) crimes se eles não terão punição efetiva no final das contas."

O procurador-geral Rodrigo Janot afirmou em entrevista coletiva, nesta sexta, que as propostas do MPF serão entregues ao Congresso e ao Conselho Nacional de Justiça.

Teste de integridade

Uma das práticas sugeridas pelo Ministério Público é a realização de "testes de integridade" gravados, para avaliar a honestidade de agentes públicos: a "simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a administração pública", de acordo com o MPF.
Segundo Dallagnol, seria como oferecer uma propina de baixo valor e avaliar a reação do agente público. A prática, diz ele, é aplicada em diversos países desenvolvidos e é recomendada pela ONU e pela ONG Transparência Internacional.

"O exemplo clássico é quando um agente da corregedoria disfarçado de pessoa comum passa em velocidade acima da permitida em uma rodovia. Um policial para o carro e o agente disfarçado faz uma oferta de propina módica. É uma situação que o agente deve estar preparado para rejeitar. Se receber (o dinheiro), o policial estará sujeito a uma punição administrativa, cível e criminal. Seria uma forma de afastar agentes públicos abertos a práticas corruptas."

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Mas, no Brasil, decisões prévias da Justiça preveem que você não pode prender uma pessoa com base em uma situação criminosa simulada.

Dellagnol argumenta que, mesmo que não haja punições criminais a agentes pegos em flagrante em situações artificiais, esse agente poderia ser punido administrativamente ou mesmo investigado mais a fundo a partir daí.

"Podemos usar isso como informações de inteligência para deflagrar medidas investigatórias mais profundas. Aquele policial que aceitou a propina eu já sei que aceitará em situações correlatas. Posso fazer uma interceptação telefônica que me permita puni-lo em uma situação real. (Além disso), testamos a predisposição de uma pessoa para continuar a cometer um crime que ela já vinha praticando."

"É algo inovador? Sim. Mas não adianta esperarmos resultados diferentes se continuarmos agindo como sempre agimos. Se queremos mudar a cultura de corrupção, temos que criar um ambiente em que ele (o agente público) esteja suscetível a testes a qualquer momento. Não se trata de uma desconfiança perante agentes públicos, mas saber que agentes públicos estão sujeitos ao dever de transparência e ao escrutínio público."

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/03/150320_mpf_anticorrupcao_dallagnol_pai


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